domingo, 19 de junho de 2011

Montgomery Clift e "Freud, Além da Alma"

Esta semana finalmente vi "Freud, Além da Alma", o filme de John Huston de 1962, que havia anos estava na minha lista de filmes-clássicos-que-não-posso morrer-sem-assistir. Como toda obra-prima, é um trabalho belamente imperfeito e corajoso, com grandes qualidades que suplantam alguns erros. O filme de Huston é uma típica cinebiografia, reverente desde a cena de abertura, em que compara o gênio de Freud (com toda a razão) aos de Copérnico e Darwin. O filme se concentra em seus primeiros anos de pesquisa em Viena, antes de formular a Teoria da Psicanálise e mudar irredutivelmente a forma como o Homem vê a si próprio. Huston chamou para escrever o roteiro do filme ninguém menos do que o filósofo Jean-Paul Sartre, que tempos depois lhe entregou um calhamaço que o diretor norte-americano classificou de "infilmável". Sartre respondeu que diretores de cinema "não gostam de pensar" e pediu que seu nome fosse retirado do projeto. O roteiro, um tanto didático, acabou sendo escrito por Charles Kaufman e Wolfgang Reinhardt. Para o papel principal, Huston chamou Montgomery Clift, com quem havia trabalhado em "Os Desajustados" ("The Misfits"), um ano antes. Algumas pacientes de Freud são condensadas na figura de Cecily Koertner, interpretada com brilho por Suzannah York, e uma cena em particular mostra a força de Huston como cineasta: aquela em que Freud diz a Cecily que, naquela sessão em particular, ele não usaria a hipnose, que ela poderia relatar seus sonhos conscientemente. Quando ela começa a falar e se mostra desconfortável, ele afasta a sua cadeira para sair do campo de visão da paciente - nesse exato momento é criada a forma clássica de psicanálise.


Mas o grande problema do filme, a meu ver, é exatamente Montgomery Clift, que passa o filme como se estivesse no meio de uma crise de colite (da qual ele de fato sofria), os olhos esbugalhados e a boca entreaberta, como se estivesse vendo um monstro num filme de terror. Se a decadência física e psicológica de "Monty" haviam caído como uma luva em "Os Desajustados" e em sua única e pungente cena em "Julgamento em Nuremberg" (1961), aqui ela é apenas estranha e fora de lugar, ainda mais quando sabemos que Sigmund Freud era um homem calmo e de fronte serena. Monty era um grande ator, mas no fim da vida - ele morreria em 1966, aos 46 anos - o excesso de álcool, drogas e medicamentos, aliado à sua homossexualidade reprimida e ao acidente de carro que o havia desfigurado em 1956 o impedia de se concentrar e atuar como nos primeiros anos. Ele teve tantos problemas de saúde durante a fimagem de "Freud" que a Universal o processou pelos dias de atraso. No final, o filme foi um sucesso de bilheteria e ele conseguiu um acordo favorável.

Monty no início da carreira e depois do acidente

Monty Clift virou um astro já em seu segundo filme, "Rio Vermelho" ("Red River", 1948), onde atuou ao lado de John Wayne. Em 1951, protagoniza "Um Lugar ao Sol" ("A Place in the Sun"), com Elizabeth Taylor, sua grande amiga até o fim. Era o único ator de Hollywood que poderia rivalizar com Marlon Brando em matéria de talento e beleza, mas tinha uma personalidade frágil e era chegado numa birita e em medicamentos fortes. Em 1953, veio a consagração definitiva com o clássico "A Um Passo da Eternidade" ("From Here to Eternity"), ao lado de Burt Lancaster (há uma cena em que os dois estão bêbados - consta que Lancaster estava atuando, mas Monty tinha mesmo enchido a cara.
Em 1956, após sair de uma festa na casa de Liz Taylor, Monty enfia o seu Chevrolet numa árvore, ficando desfigurado (virou até música do The Clash, "The Right Profile": Monty's face is broken on a wheel / Is he alive? Can he still feel?). Liz correu para ajudá-lo e salvou sua vida, retirando dois dentes que ficaram entalados em sua garganta. Seu rosto foi reconstruído, mas, a partir daí, foi só ladeira abaixo. Durante as filmagens de "Os Desajustados", Marilyn Monroe, outra perturbada, disse: "Monty é a única pessoa que eu conheço que está pior do que eu".

Monty e Liz Taylor em "A Place in the Sun"
Com sua carreira em Hollywood em declínio, Monty foi morar em Nova York e tentar levar uma vida mais regrada. Em 1966, Liz ainda conseguiu que ele fosse escalado para atuar em "O Pecado de Todos Nós" ("Reflections of a Golden Eye"), mas Monty foi encontrado morto em seu apartamento por seu companheiro Lorenzo James no dia 23 de julho. Entrava para o panteão dos astros trágicos, ao lado de James Dean e Marilyn Monroe. Brando seria um quarto, mas insistiu em não morrer até 2004.

Uma última e pessoal nota sobre Freud: em 2001, eu fui convidado para participar de uma exposição coletiva na cidadezinha de Langenlois, na Áustria (na verdade uma maluquice num terreno baldio com um bando de artistas russos e um grupo punk local). Obviamente, na primeira oportunidade, fugi para Viena. Mas antes de visitar os museus e ver obras de Klimt, Schiele e cia, fiz questão de ir visitar o apartamento em que o Dr. Freud viveu e clinicou durante tantos anos, na Berggasse 19, no nono distrito de Viena. No local há alguns móveis que pertenceram a Freud, inclusive o famoso divã, mas o endereço foi transformado num pequeno museu para vender quinquilharias. Gostei de entrar naquele pequeno prédio, mas algo se perde nesses locais turísticos. De qualquer forma, comprei um isqueiro com uma frase de Freud e fui embora.

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