terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Uma Reflexão sobre a Arte Contemporânea (por Aracy Amaral)

Anselm Kiefer, Winterland, 2010

Quero terminar o ano com uma reflexão muito corajosa e apropriada da historiadora e crítica de arte Aracy Amaral, publicada no site Fórum Permamente, sobre os caminhos da arte contemporânea:


"Cena Artística: Arte Contemporânea
Vemos as pessoas, aparentemente entediadas, visitando Bienais, ou uma exposição de arte, individual ou, sobretudo, coletiva, nacional ou estrangeira. Por quê? Na verdade, quem se surpreende, se impacta, com o que vê? Mas, pergunto: haveria algo para se surpreender do que é apresentado?
Caminhamos, flanamos, o olhar vagando pelas peças, não nos detendo em nenhuma... Por que nos deteríamos em alguma? Nenhuma nos demanda maior atenção. Por vezes aflora um sorriso leve, outras vezes emerge a irritação quando vemos o clima de “parque de diversões” que parece dominar em muitas coletivas como se esse fosse o objetivo. Distrair as pessoas? “Interagir”? como se estivéssemos mexendo com gadgets como os que adquirimos em lojas de museus?
Afinal, o que vem a ser arte em nossos dias? Boa pergunta, que nos fazemos todos e mesmo artistas, curadores, críticos, jovens artistas se fazem indagações e arriscam respostas. Mas seriam satisfatórias essas respostas?
Um artista percorre os longos quilômetros de fronteira entre o Rio Grande e o Uruguay, reunindo pedras ao longo do percurso, ou persegue a busca do som nas nascentes de águas de bacias hidrográficas do Brasil, ou propicia que se veja um ângulo dos céus a partir de uma caverna em terras arduamente escavadas, um artista caminhante projeta registrar em poéticos desenhos, diários e fotos sua trajetória ao longo de um projeto no Atacama, tudo é idéia, tudo é arte? Ou seja, qualquer forma de projeção imaginosa é arte, mesmo que despossuída de uma realização formal que demande domínio de certa natureza, alguma mestria, para ser fixada numa película, numa tela, num papel, ou num DVD para fins de projeção.

Mudou a natureza do que se pensava denominar de “arte”. Assim como as coisas mais habituais que fazemos hoje em nosso cotidiano, que pareceriam impensáveis há 40-30 anos atrás: como não andar quase com dinheiro e sim com cartões de plástico, com os quais pagamos quaisquer gastos em todos os países do mundo, possuir o Brasil mais celulares que telefones fixos, a comunicação instantânea para obter informações antes só possíveis em bibliotecas ou em livros pesquisados pacientemente, obter imagens de obras de arte de outros séculos eletronicamente sem recorrer a outras máquinas ou laboratórios especializados ou museus, enfim, o mundo é outro!
Mas aceitar tudo isso significa estarmos sendo demasiado indulgentes para com as manifestações de nosso tempo? Não sei. Respeito as realizações citadas acima pois conheço o percurso dos artistas e sei de sua seriedade e da inserção desses projetos em sua trajetória. Mas em mais jovens, como explicar? Será totalmente desnecessário que o artista pintor de hoje saiba desenhar, quando na palavra “desenho/designo” está implícito o sentido de projeto? Será esse pintor de hoje bom fotografo ou sua metodologia é projetar imagens fotográficas para pintar sobre elas? Com que qualidade, ou caráter, em sua gestualidade pictórica?

Exaurida a busca da excelência da forma, esgotadas as preocupações políticas que durante muito tempo inspiraram os artistas de maneira velada ou direta, inexistente hoje o domínio técnico na elaboração das obras (pois sabemos que freqüentemente são executadas por profissionais que nada têm a ver com a sua concepção), o que resta? Se nosso pensamento vai para instalações, realizadas por assistentes deste novo entrepreneur que é o artista de nossos dias, este homem que trabalha por vezes com técnicos que ao computador ou nas oficinas realizam por ele seu trabalho enquanto o “criador” está ao celular, ou na classe executiva de algum vôo para um de seus destinos por seus compromissos internacionais, que o tornam um nômade constante, quais os instantes em que, trancado diante do monitor, num quarto de hotel ou em casa, pode conceber com calma suas próximas peças ou exposições?
Quantos são os artistas que em sua solidão, tentando obter resultados diversos de seu discurso anterior, lutam por uma revelação numa tiragem nova de uma gravura, ou pelejam diante de uma tela... Não tentando terminá-la às pressas, a fim de colocá-la no próximo leilão, mas a fim de compará-la com suas obras anteriores... Este personagem está difícil de ser encontrado nas novas gerações, mais ansiosa pelo sucesso, por sua inserção segura no mercado, sem qualquer preocupação com algo que se chama “qualidade”. Afinal, para quê? Pois há colecionadores jovens que agora querem poder exibir o que o galerista lhes aponta sem sequer ter noção do percurso, das origens tão recentes desse artista.

Há hoje pouca coisa de qualidade e busca ao nível dos caminhos de um Anselm Kiefer, de um Francis Bacon, de um Bill Viola, ou Bob Wilson, das reflexões iluminadas de Anish Kapoor. Ou das tecnologias manipuladas por Olafur Eliasson presentes em todos os quadrantes do mundo. A palavra de ordem é estar presente em leilões e Bienais, e vender. O catálogo deste ano dos leilões de Seul, na Coréia, nos assombrou com sua quantidade de artistas “qualquer coisa”. Mas os coreanos também assim poderiam denominar nossos criadores ao ver um catálogo de uma nossa Bienal, ou de um nosso leilão de sucesso, ou de uma feira de arte ocidental com suas dezenas de galerias.
Talvez a nossa fadiga esteja dando sinais por vermos tanto de arte como rejeito de uma sociedade industrializada, os detritos como arte, por exemplo, Hirschhorn. Que vimos em museu de Maastricht, na Holanda, há alguns anos, depois na 27ª. Bienal de São Paulo e agora na Bienal de Veneza, onde no pavilhão da Suíça seu enorme labirinto se assemelha ao lixo reciclável. Ou seja, limpo, porém detrito e lixo. A arte a partir da sociedade de dejetos da industrialização chegou há quase um século (pela ordem: com Picasso, Duchamp, Schwitters...), mas me pergunto: veio para ficar? Porque já a vimos entre nós, com a sensibilidade de uma Sara Ramo, por exemplo, mas sempre na presença de dejetos. Pois há que diferenciar entre o resíduo industrial seletivamente colhido e disposto pelo artista, como já o realizou Jac Leirner, ou uma Rivane Neuenschwander, e o dejeto organizado no espaço como estamos mencionando.

Deve-se observar, contudo, que há também o “rechazo” como se diria em espanhol, da sociedade, disposto em labirinto com outro espírito, talvez até mesmo o de natureza morta construída pelo tempo com o pó, com a força da passagem do tempo – à maneira da riqueza visual/plástica de um Morandi - e que vimos nesta Bienal de Veneza nos tensionados espaços percorríveis em labirinto de um Mike Nelson da Grã-Bretanha. Mas que caminhando pelos meandros de seus espaços soturnos eles perdem de seu espírito e magia, concebidos sem duvida por seu criador, pela multidão apressada que percorre quase aos trancos o pavilhão britânico.
Tudo é arte? Onde a indignação do artista para com a sua sociedade senão nesse seu olhar despectivo pelo que o rodeia e do que ele se vale para sua fama e sucesso? Ou isso é indignação? Difícil de dizer. Há ainda artistas mais jovens que surpreendem o publico por perseguirem um desejo formal? Ou naturalmente, pelo tempo em que vivemos, um de seus olhos está no trabalho e o outro no curador que poderia convidá-lo para um evento relevante? E que importa? Vende-se bem no dias que correm, dizem com certa ansiedade os artistas mais palatáveis que os veteranos (mas, porque?).

Arte de participação? onde? Hoje o publico é passivo, passeia pelos espaços expositivos, vê vídeos, observa nos monitores as últimas inovações, tal como quando de volta à casa, se senta diante do computador e liga a TV para a novela ou noticiário ou segue os últimos e-mails ou mensagens em seu celular avançado... Resta algo dessa rápida exposição de seus olhos frente a uma criação sensível? (ou são estas indagações improcedentes, posto que também a presença constante de uma tela na parede da sala acaba por neutralizá-la a nossos olhos tornando-a invisível...?)

A realidade de um país emergente
E de repente a exposição da Índia no Maxxi, novo Museu de Arte Moderna de Roma, apresenta a manualidade a partir do lixo industrial como fonte de criatividade, (como na exposição dos primeiros anos do século Future is handmade realizada na Holanda nos surpreendeu com inovações cromáticas e de materiais). A exposição da Índia pode soar como fora do mainstream, algo estranho para o mundo tecnologizado, minimalista das artes ocidentais, sobretudo de um país como o Brasil, que se pretende “avançado” (pobre país o nosso, o IDH que o diga, o analfabetismo que o diga, o quase nulo número de livros lidos por habitante que o diga, país hipócrita, recheado de preconceitos, justiça e polícia que se vendem, leis que só existem impressas válidas para uma exclusiva minoria, de impunidade dominante, corrupção que ajuda o desnivelamento social, onde o esporte será rei por decreto por mais 5 anos !). Mas é sem duvida, a exposição da Índia, uma resposta criativa, pois recorre ao dejeto reconstruído, para suas criações.
Na verdade, o mundo é múltiplo. É vário, como as religiões e apenas três as categorias de gente: os muito ricos, os que se agüentam desejando ascender, e os miseráveis: sem país, vivendo em campos de refugiados ou em barracas, quando ocorrem inundações ou terremotos, aguardando a piedade de um hipotético governo que lhes trará alguma dignidade.
Até lá, somos uma minoria irrisória que seguimos vendo exposições... Afinal, qual é a real importância da arte como abertura para experimentações sensoriais, para fazer de um cidadão um ser sensível e esclarecido para observar seu tempo através da resultante realizada pelos artistas... 

Mesmo assim, como evitar que o mundo da arte não soe pretensioso... quando não pleno de realizações rasas, os artistas mais novos pouco sabendo que já se fez há 30-40 anos algo que hoje concebem pensando que são os primeiros... Quanta perplexidade e indagações diante desta fronteira da arte contemporânea...!

O poder da arte-educação
Por outro lado, qual a real função da arte-educação, que gera tantos seminários e conferências? Quais os intelectuais conhecidos que se podem citar como interessados em arte-educação? Aparentemente somente dentro dos limites acadêmicos, pois são raros os que abordam o debate critico ou as questões da arte de nosso tempo. Estarei sendo desconhecedora de fatos reais? O objetivo dos arte-educadores é levar mais público aos museus? ou desenvolver nas crianças o senso de criatividade estimulando-a a “fazer arte”, segundo impulsionava há décadas Ivan Serpa a fim de formá-los como melhores cidadãos? Ou ajudar o visitante a “saber ver” arte?
Antes na cena artística a prioridade eram os artistas e suas criações, depois ascenderam em importância os curadores, anteriormente conhecidos como “organizadores” de exposições, e que se interpuseram entre o artista e a forma de apresentar seus trabalhos, quase assumindo uma autoria, nem sempre bem sucedida. Hoje as cartas na mediação são dadas por arte-educadores. Mas o que dizer quando lhes é dado participar de remontagem de um acervo como o da Pinacoteca do Estado, e percebe-se como resultado uma interferência na coleção, na retirada de certa solenidade que a meu ver deve imperar no espaço expositivo na apresentação das obras, ocorrendo um desmembramento de obras de primeira grandeza na tradição desse museu, que, como tantos, possui, claro, lacunas a serem ainda preenchidas. O que dizer quando percebemos uma acentuada ocupação “educacional” do espaço museológico? Essa prioridade não deveria ser uma grave e adequada disposição das peças do acervo a partir de uma visão critica/histórica dessa mesma coleção?

 
Comemorativa?
Falando de nossa agitada cena artística, impossível deixar de mencionar a poderosa exposição da coleção do Museu Astrup Fearnley, de Oslo, Noruega, aberta na Fundação Bienal. Uma grande exposição como essa, que em três andares exibe a vasta coleção de arte contemporânea de um museu, sempre é bem vinda. Acho interessante para os artistas e amadores de arte locais conhecer os trabalhos originais de artistas tão celebrados, de hoje. Mas não me falem em comemoração de 60 anos da Bienal. O que essa mostra tem a ver com nossas Bienais? Não importa o valor que deve ter custado essa exposição, pois se a Bienal pode, que a faça. Mas considerar que essa exposição tem alguma relação com a historia das Bienais de São Paulo em seus tumultuados 60 anos que acompanhamos desde a primeira em 1951, é algo bem diferente.
Não se falou em seu iniciador, Matarazzo Sobrinho, nos diversos diretores e curadores das Bienais ao longo das décadas, dos artistas premiados e representados em sessenta anos, estrangeiros e brasileiros. Nenhuma palavra. Não houve comemoração. Foi trazida uma coleção com a presença de obras de primeira grandeza de artistas hoje festejados internacionalmente, seja britânicos como norte-americanos, entre outros de varias nacionalidades. Mas não ocorreu, que se saiba, nenhuma comemoração na expressão da palavra.

Pode-se admirar a importância das aquisições do museu norueguês, mas passa em branco, ao visitante que percorre a imensa exposição, o nexo entre ela e os 60 anos das Bienais de São Paulo. Parece ter faltado um historiador de arte junto à Fundação Bienal, alguém que orientasse a entidade do ponto de vista do que seja uma celebração. Artistas que já participaram das principais Bienais, artistas premiados? Aliás, este recorte já foi tentado, se bem me lembro, nos anos 70. Mas se houve agora ampla possibilidade financeira para uma mega-exposição, porque então não fazê-la homenageando pelo menos certos artistas que marcaram, em nosso meio, com sua presença, a nossa Bienal?

Aracy Amaral
Novembro de 2011
"

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Andy Denzler

Body & Faces Study 4, óleo sobre papelão, 46x36cm, 2010

Todo artista plástico precisa ter um estilo e uma linguagem próprios. Críticos e colecionadores, mais do que o público, gostam de reconhecer imediatamente a obra de um artista - o que é desejável, desde que esse estilo e essa linguagem não engessem e aprisionem o artista, nem o impeçam de ousar e abandonar linguagens já repisadas. Encontrar esse estilo não é fácil, e muitos, ao encontrar um elemento que o distingua dos demais, agarram-se a ele como um cachorro a um osso. O artista suíço Andy Denzler encontrou esse elemento - derivado de Richter, é verdade - e já produziu várias séries a partir dele.

Watchdog, óleo sobre tela, 300x200cm, 2011
Hypnotized (díptico), óleo sobre tela, 300x200cm, 2011

Fotógrafo e designer gráfico nascido em Zurique, Denzler pintou quadros não-figurativos durante uma década. Por volta do ano 2000, começou a pintar a partir de fotos e vídeos feitos por ele, até que se deparou com um interferência típica de equipamentos analógicos de vídeo. Ele incorporou esse acidente à sua linguagem - que ele desenvolve até hoje.

The Orange Hues of Heaven, óleo sobre tela, 140x120cm, 2010
I Know What You Are, óleo sobre tela, 80x100cm, 2009

Para ele, a pintura tem a capacidade de, ao mesmo tempo, manter e destruir a tradição da representação - um tema central da Arte a partir da invenção da fotografia. Diz ele: "A pintura hoje está num período de hibridização, permitindo ao artista dinimuir a velocidade da produção e do consumo de imagens geradas pela mídia de massa. Ao subvertê-los, o artista pode dar frescor a uma imagem morta, reanimando-a, assim como Lucian Freud pinta a carne, fazendo com que ela tenha uma sobrevida".

Nico, óleo sobre tela, 80x100cm, 2006
Hurricane, óleo sobre tela, 170x180cm, 2010

O problema, a meu ver, é até quando Denzler poderá explorar esse pequeno achado. Pois a interferência em sua pintura é apenas um comentário, que pode tornar-se cansativo ou irrelevante com o passar dos anos. Já vi muitos artistas aprisionados numa "sacada" (odeio esse termo), sem conseguirem desvencilhar-se dela. O aprisionamento é até financeiro - galeristas e colecionadores esperam que ele continue produzindo suas imagens como se fosse uma fábrica. Alguns pintam como pintam e só - como Lucian Freud, cujo estilo era algo profundo e verdadeiro, não um mero achado - e outros ousam mudar, como Gerhard Richter.




Andy Denzler



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domingo, 18 de dezembro de 2011

Terry Rodgers

His Collection, óleo sobre tela, 137x203cm, 1994

O quadro acima, pintado pelo norte-americano Terry Rodgers em 1994, possui certo parentesco com a obra de um dos maiores pintores vivos, seu compatriota Eric Fischl (já postado aqui). Seu tema era similar: o alheamento e a futilidade da alta classe dos EUA, a tensão sexual, o alcoolismo, cenas de nudez e de praias.

The Watchman, óleo sobre tela, 97x137cm, 1998
Between Acts, óleo sobre tela, 137x213cm, 2000

Por vezes, Rodgers tomava emprestado temas do cinema, e construía cenas bizarras como as duas pinturas acima. A partir de 2003, no entanto, Rodgers começou a pintar modelos masculinos e femininos nus ou em roupas íntimas, em festas regadas a uísque, champanhe e outros aditivos, em ambientes suntuosos. É um voyeurismo um tanto desconcertante, porque esse tema domina sua obra completamente até hoje, numa infindável festa, com pequenas variações.

The Axis of Love, óleo sobre tela, 157x173cm, 2007
Sacrificial Penumbra, óleo sobre tela, 183x290cm, 2010

Se há uma crítica subjacente nessas imagens, ela se dilui no fato de que Rodgers claramente aprecia modelos nuas e bêbadas - e ninguém há de culpá-lo por isso. Mas, assim como todo vício tem suas consequências, a arte de Rodgers sofreu com a transição: ele perdeu sua capacidade de evocar imagens e situações interessantes e apenas se repete, ano após ano, num festa interminável cuja ressaca já se faz sentir. Seu estilo também não amadureceu: ao invés de adquirir uma liberdade e uma fluidez maiores na pincelada, tal qual Fischl, Rodgers foi ficando cada vez mais travado, e o resultado é um hiper-realismo afetado e maneirista.

Transparency of Venus, óleo sobre tela, 183x272cm, 2011
Sammy, óleo sobre tela, 137x170cm, 1997

Eu prefiro o artista de anos anteriores. Terry Rodgers tem 64 anos e aparentemente está ganhando um bom dinheiro com essa telas imensas. Infelizmente, desaprendeu com o tempo, que ao invés de sabedoria lhe trouxe a inconsequência de um adolescente deslumbrado com modelos entediadas e vazias.




Terry Rodgers em seu ateliê




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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Doug Aitken

Migration, 2008

Eu confesso que raramente gosto de obras em vídeo de artistas contemporâneos. Talvez pela dificuldade em se criar algo realmente instigante, ou minimamente original, ou meramente interessante numa época em que imagens digitais em movimento fazem parte do nosso cotidiano. É preciso realmente muita criatividade para comunicar algo num meio que hoje é acessível a todos - qualquer um pode fazer um vídeo digital e editá-lo. A facilidade do meio sempre leva a maneirismos, repetições e por fim à banalização. Obviamente há exceções, e um dos artistas contemporâneos mais criativos que conheço é o norte-americano Doug Aitken.

Text Sculpture, vários materiais, 2008-2011
Aikten nasceu em 1968, em Redondo Beach, na Califórnia. Formou-se em 1991 pela Art Center College of Design, em Pasadena. Através dos anos, construiu uma obra sólida e quase sempre brilhante com vídeos, instalações, performances, site specific, esculturas. Expôs e possui obras nos melhores museus e galerias do mundo, e em 2009 construiu um "pavilhão sonoro" (Sonic Pavillion) no centro cultural de Inhotim, em Minas Gerais: do centro de uma redoma no meio da mata, microfones de alta sensibilidade foram colocados a 200 metros de profundidade, fazendo ecoar no interior da construção os sons das entranhas da Terra.

Sonic Pavillion (projeto e obra acabada), Inhotim, 2009

O artista norte-americano frequentemente cria ambientações com várias telas, projeções, performances e atenção especial à música. No belíssimo trabalho Sleeepwalkers ("Sonâmbulos"), com participação dos atores Donald Sutherland e Tilda Swinton e dos músicos Seu Jorge e Cat Power, cinco vídeos foram projetados nas paredes externas do Museu of Modern Art (MoMA) de Nova York, visíveis da rua. Do lado de dentro, um "happening" (conforme ele gosta de chamar, à moda de Allan Kaprow nos anos 60, ao invés de "performance") com percusssionistas, leiloeiros e uma apresentação de Cat Power. Trechos em vídeo podem ser vistos no site do artista (link ao lado).

Sleepwalkers, 2007
O tema central da obra de Aitken é o sentimento de inadequação e deslocamento do Homem no mundo atual. Para tal efeito, uma de suas obras mais pungentes inverte os papéis, colocando animais selvagens em interiores e quartos de hotel: os vídeos de Migration (2008, trechos no site do artista). Impossível não concluir, vendo as belíssimas imagens, o quanto temos em comum com a Natureza encarcerada e domesticada, literal ou figurativamente. Nesses momentos, a obra de Aitken é profundamente eloquente e plasticamente rigorosa - o que o coloca a milhas de distância de grande parte da produção em vídeo da atualidade.

Migration, 2008

Vale a pena percorrer o site do artista, com fotos e trechos de seus principais trabalhos - embora nada se compare à experiência de ver suas projeções e "happenings" ao vivo.




Doug Aitken, em foto de Aubrey Mayer

sábado, 10 de dezembro de 2011

Matteo Mezzetta

Dogs, óleo sobre tela, 140x190cm, 2010

Faz um tempo que eu não posto nenhum pintor hiper-realista aqui, então hoje apresento algumas pinturas de Matteo Mezzetta, que nasceu em 1971 e vive entre Lyon, na França, e Milão, na Itália.

Sem Título, óleo sobre tela, 130x180cm, 2007
Noise #2, óleo sobre tela, 120x120cm, 2010

Mezzetta faz uma pintura virtuosa em preto e branco, e divide os seus temas entre ruídos, pessoas, natureza, natureza-morta, interiores, abstrato, arquitetura e vintage. Todos os seus trabalhos podem ser vistos em seu site, cujo link está na barra ao lado.

Sem Título, óleo sobre tela, 120x130cm, 2007
DJ#4, óleo sobre tela, 73x92cm, 2010

Uma característica interessante - e de certa forma desconcertante - nos hiper-realistas é a ausência de comentário sobre a pintura, de justificativa e/ou conceitualização do que produzem. Nada é deturpado, distorcido, desvirtuado sobre a tela. Pinta-se exatamente o que se vê - ou melhor, o que a lente da câmera fotográfica capta. É como se o autor não existisse como criador, mas apenas como um intermediário de um processo mecânico: apontar a câmera, clicar, reproduzir o que se captou com pincéis e tintas. Talvez seja o ápice do voyeurismo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Loretta Lux

At the Window, 2004

Loretta Lux nasceu em 1969, em Dresden, então Alemanha Oriental. Estudou pintura e formou-se pela Academia de Artes Visuais de Munique, começando a experimentar com fotografia em 1999. Em sua juventude, constantemente visitava museus, onde admirava obras de mestres como Diego Velázquez, Agnolo Bronzino, Francisco de Goya, Caspar David Friedrich e Philipp Otto Rung - obras que acabaram influenciando o tratamento que Lux dá a seus retratos fotográficos de crianças.

The Walk, 2004
The Fish, 2003

A primeira impressão que seu trabalho dá é a de que, apesar de ser fotografia, ele está no limite entre esta e a pintura. A própria artista admite que, sem a sua formação como pintora, ela não conseguiria chegar ao resultado obtido em suas imagens. Sobre a transição de um meio a outro, ela diz: "Eu não gostava do aspecto físico da pintura, mexer com pigmentos, óleo e terebintina. Agora eu uso a câmera como uma ferramenta, abordando a pintura de uma nova perspectiva".

The Blue Dress, 2001
The Drummer, 2004

Na verdade, o trabalho de Lux também envolve pintura - alguns fundos são literalmente pintados por ela. O processo de tratamento da imagem, embora essencialmente digital, exige meses de trabalho, e ela produz apenas de cinco a sete obras por ano. Diz a artista: "Eu organizo formas e cores ao conceber a imagem e ao trabalhar no computador, igual a um pintor trabalhando numa tela". Mesmo especialistas em software para tratamento de imagens têm certa dificuldade em estabelecer exatamente o que a fotógrafa alemã faz.

Girl with Marbles, 2005
Dorothea, 2005

Se é verdade que as crianças habitam seu próprio mundo, Loretta Lux foi bem sucedida em apreender a estranheza do universo infantil.Críticos já usaram toda sorte de adjetivos para descrever essas crianças - de absortas a sinistras. Lux insiste que suas imagens não retratam a criança que posou, mas qualquer criança: uma metáfora para a ideia de infância. Um simulacro, talvez. A artista constrói, manipula e modifica seus retratados para que, conforme ela deseja, cada um veja o que quiser ver.

Paulin, 2002
Siegfried, 2010

Em 2005, Lux recebeu o Infinity Award for Art do prestigioso International Center of Photography. Após morar alguns anos em Dublin, na Irlanda, a artista mudou-se para Mônaco, onde vive até hoje, para fugir dos altos impostos.




Loretta Lux


Para ver toda a obra de Loretta Lux, veja o site da artista no link ao lado.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Wilhelm Sasnal

Smoking Girl (Anka), óleo sobre tela, 45x50cm, 2001

Wilhelm Sasnal nasceu em 1972 na cidade de Tarnów, na Polônia. Em 1992, mudou-se para a Cracóvia, para estudar Arquitetura. Após dois anos, mudou de curso e foi estudar pintura na Academia de Belas Artes. Casou-se com Anka (presença em várias pinturas suas), e ambos começaram a trabalhar numa agência de publicidade. Pouco tempo depois, Anka ficou grávida e ambos perderam o emprego. Voltaram para Tarnów, onde foram morar na casa dos pais dela, e Sasnal começou a pintar desenfreadamente.

Aula de Ginástica, óleo sobre tela, 150x150cm, 2000

Kacper, óleo sobre tela, 75x90cm, 2009

Descontente com o que havia aprendido na tradicional Academia de Belas, Sasnal buscou retratar o que estava à sua volta. Sua experiência com história em quadrinhos e publicidade o levam a uma sintetização da imagem. Na tradição de Gerhard Richter e Luc Tuymans, importa menos o que ele pinta e mais como ele pinta: as pinceladas são exatas, sem exageros; os elementos são reduzidos ao mínimo, as cores são aplicadas com o mínimo de gradação. A pintura é um exercício formal e reducionista, e algumas obras aproximam-se da abstração. Paradoxalmente, é aí que encontra-se a sua força.

Aviões (díptico), óleo sobre tela, 150x300cm, 2001

1948, óleo sobre tela, 65x89cm, 2006

E, assim como no alemão Richter e no belga Tuymans, Sasnal constrói uma espécie de "atlas" pessoal, com imagens que vão desde cenas domésticas (há inúmeras pinturas de sua esposa e de seus filhos Kacper e Rita) a paisagens e referências históricas - durante a 2ª Guerra, sua bisavó morreu em Auschwitz, e alguns membros de sua família foram levados para a Alemanha para fazer trabalho forçado. A temporada na Cracóvia, perto do maior campo de concentração nazista, levou Sasnal a mergulhar numa pesquisa sobre o tema. "Auschwitz não é apenas um lugar num livro de História, é algo pessoal", diz ele.

Banhistas em Asnières (a partir de Seurat), óleo sobre tela, 160x120cm, 2010
  
Kacper e Anka, óleo sobre tela, 180x220cm, 2009
Apesar de trabalhar com outros suportes (como o vídeo), Sasnal é acima de tudo um pintor. Sobre a escolha dos temas, ele diz: "Não há regras; eu encontro imagens em qualquer lugar. Eu tenho um assistente, mas ele não me ajuda a pintar porque eu não planejo nada. Eu penso na pintura como descer uma montanha numa snowboard - você nunca sabe o que vai acontecer".

Retrato, óleo sobre tela, 50x73cm, 2001
Carro, óleo sobre tela, 181x181cm, 2002

O reconhecimento veio para Sasnal ainda quando morava na pequena cidade de Tarnów, longe dos grandes centros culturais da Polônia. Ele diz: "Tarnów é isolada, minúscula; não há cultura, não há uma cena artística. Então, felizmente, eu fiquei longe disso tudo. O sucesso repentino poderia ter subido à minha cabeça. Então, ao invés de começar a comprar coisas e ter um ateliê enorme, nós continuamos com a nossa vida simples". Em 2006, ele voltou a morar na Cracóvia, onde alugou um pequeno apartamento de um quarto para pintar. No mesmo prédio, tem outro apartamento, onde vive com Anka, Kacper e a pequena Rita.




Wilhelm Sasnal


Para ver mais trabalhos, clique no link ao lado.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Evgen Bavcar

"Liubliana com o Dragão"

Anos atrás eu vi em São Paulo uma exposição do fotógrafo e filósofo esloveno Evgen Bavcar (lê-se "óiguen"), e assisti a um documentário sobre sua vida e obra, com a presença do artista, que possui uma característica ímpar em um fotógrafo: ele é completamente cego.

"Bicicleta com Andorinhas"

Bavcar nasceu em 1946, numa pequena cidade eslovena perto de Trieste. Aos 12 anos perdeu a visão, incrivelmente, em dois acidentes diferentes: um olho foi perfurado por um galho de árvore, o outro foi afetado por um detonador de minas. Ele conta: "Eu não fiquei cego imediatamente; foi aos poucos. Durou meses, como um lento adeus à luz. Então eu tive que correr para captar as coisas mais belas, imagens de livros, cores e fenômenos celestes, e levá-las comigo numa viagem sem volta".

"Nu com Andorinhas"

"Retrato com Mãos"

Aos 17 anos, pegou da irmã uma máquina fotográfica russa Zorki 6, simples e barata, para fotografar uma menina da escola por quem era apaixonado. Diz ele: "O prazer que eu senti ao tirar a minha primeira foto foi o de ter roubado e captado em filme algo que não me pertencia. Foi a descoberta secreta de que eu poderia possuir algo que não posso ver".

"Hanna Schygulla"

"Véronique e o Pato"

Evgen Bavcar fotografa, a priori, a memória. Um portão por onde passava na infância, as andorinhas de sua cidade natal, casas, monumentos, a atriz alemã Hanna Schygulla (que virou sua amiga). Auxiliado pela irmã, frequentemente usa a técnica da superposição, o que confere às imagens um caráter onírico. Sobre essas imagens, ele revela: "Eu tenho uma galeria pessoal mas, infelizmente, só eu posso visitá-la. Os outros podem entrar nela através das minhas fotografias. Mas elas não são mais originais. São apenas reproduções".

"Máscaras em Veneza"

"Genebra com a Águia"

Atualmente morando em Paris, Bavcar é doutor em História, Filosofia e Estética pela Universidade de Sorbonne. Sobre a imagem que abre este post, ele explica: "O dragão é o símbolo de Liubliana, a capital da Eslovênia. O dragão é um símbolo da noite; na mitologia, é o símbolo da força da Escuridão. Quando São Jorge vence o dragão, ele também vence a Escuridão. (...) Para mim, as cidades da Europa existem à noite, mas é muito difícil tirar fotos à noite, porque as cidades são iluminadas demais. As pessoas têm medo do escuro".



Evgen Bavcar


Para ver mais obras de Evgen Bavcar, clique no link ao lado. Veja abaixo o trecho (legendado em português) dedicado a ele em "Janela da Alma", documentário de 2001 dirigido por João Jardim e Walter Carvalho: