sexta-feira, 30 de setembro de 2011

April Gornik

Storm Above Sea, óleo sobre tela, 203x180cm, 2005

Tendo acabado de assistir à obra-prima de Terrence Malick, "A Árvore da Vida", e, coincidentemente, tendo acabado de traduzir um documentário do físico e cosmólogo Stephen Hawking sobre a origem do Universo, fico tentado a traçar paralelos entre a Ciência, a Fé (ou a falta de) e nosso lugar no mundo, entre o microcosmo e o macrocosmo, entre o silêncio e a fúria, ou, como coloca Malick, divididos entre o caminho da Graça e o da Natureza. Mas não farei isso, porque esse filme foi o mais resenhado dos últimos tempos, e muito já se disse. Ao invés disso, vou mirar a natureza estonteante das pinturas da artista norte-americana April Gornik.

Sand, Shadow, Time, óleo sobre tela, 190x238cm, 2010

Gornik nasceu em Cleveland, Ohio, em 1953, e atualmente mora em Nova York. É casada com o pintor Eric Fischl (já postado aqui). Sua opção por pintar paisagens de forma realista, em quadros enormes, é, no mínimo, corajosa. A arte contemporânea é célebre por enfatizar conceitos e referências, e diante de uma mera paisagem, feita sem deboche ou cinismo - outra pedra de toque da arte atual - tais conceitos demoram a emergir.

Storm Sea Light, óleo sobre tela, 187x195cm, 2009
Underwater, óleo sobre tela, 177x254cm, 1997

Mas a artista não se furta a interpretações: "Eu sou uma artista que valoriza, acima de tudo, a capacidade da arte de me tocar emocional e fisicamente. Eu faço uma arte que me faz questionar, que tira sua força de sua vulnerabilidade a interpretações, que é intuitiva, que é bela".

Light Horizon, óleo sobre tela, 185x302cm, 2008

O aspecto físico da fruição artística é muito importante na obra de Gornik, pois suas pinturas são imensas, abarcando o campo de visão do espectador, de forma que ele se vê quase dentro da paisagem. Segundo Gornik, a pintura é mais poderosa do que as outras formas de arte, porque ela está imbuída da experiência do artista - as suas decisões, a sua intenção, suas correções e, mais importante, o tempo passado nela - que é transmitida de volta ao espectador. Em suma, é um reflexo pessoal, humano, imperfeito da Criação - esta perfeita e intangível.

Light in the Woods, óleo sobre tela, 182x274cm, 2011




April Gornik

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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Pieter Hugo: os homens-hiena e o flagelo africano

Abdullahi Mohammed com Mainasara, Ogere-Remo, Nigéria, 2007
Meses atrás me deparei, por acaso, com a foto acima na internet. Um negro africano, musculoso, de vestes coloridas, segurando uma enorme hiena - animal selvagem e perigosíssimo - como se fosse um cão de estimação. Após pesquisar seu autor, acabei conhecendo o trabalho brilhante e perturbador do fotógrado Pieter Hugo.

Mallam Galadima Ahmadu com Jamis, Nigéria, 2005
Hugo nasceu em Joanesburgo, África do Sul, em 1976, e vive e trabalha na Cidade do Cabo. Seus trabalhos já foram publicados em importantes revistas e expostos em museus e galerias do mundo todo. Participou da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006. Também neste ano, a foto acima ("Mallam Galadima Ahmadu com Jamis") foi vencedora da categoria "Retratos" do importante prêmio World Press Photo.

Abu Kikan com Frayo, Asaba, Nigéria, 2007

Em 2005, o fotógrafo soube que um grupo de homens, com uma criança, três hienas, quatro macacos e algumas serpentes percorriam as ruas de Lagos, na Nigéria. Segundo boatos, eram ladrões de banco, traficantes de drogas ou cobradores de dívidas. Hugo pegou um avião para encontrá-los. Na verdade, tratava-se de um grupo de saltimbancos, que se apresentava com os animais e vendia poções medicinais.

Mallam Galadima Ahmadu com Jamis, Abuja, Nigéria, 2007
Os Homens-Hiena de Abuja, Nigéria, 2005

Hugo juntou-se ao grupo e viajou com eles durante oito dias. Ele tirou fotos de suas apresentações, mas não ficou contente com o resultado. Ele desejava um registro mais intimista desses homens-hiena. Dois anos depois, ele voltou à Nigéria para encontrá-los novamente. Dessa vez, houve uma familiaridade e uma intimidade maior, resultando em retratos, segundo ele, melhores.

Abdulai Yahaya, Gana
John Dollar Emeka, Enugu, Nigéria, 2008

O trabalho de Pieter Hugo (que pode ser visto em seu site, listado na barra ao lado) tem forte preocupação social e humanística. Seus temas vão dos vestígios do genocídio em Ruanda, em 2004, a personagens de Nollywood (a indústria de cinema da Nigéria), perfazendo um panorama de atraso, desolação, violência e miséria. Sintomaticamente, ao mostrar seus retratos dos homens-hiena na Europa, Hugo ouviu inúmeras pessoas preocupadas com o bem-estar dos animais. Diz ele: "Ao invés disso, nós deveríamos nos perguntas por que esses homens precisam usar animais selvagens para sobreviver. Ou por que eles são marginalizados economicamente. Ou por que a Nigéria, o sexto maior exportador de petróleo do mundo, vive em estado de indigência".

Clique abaixo para ver uma entrevista com Pieter Hugo (em inglês, sem legendas):

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Homem Beckettiano de Peter Martensen

Escape, óleo sobre tela, 50x40cm, 2009

Toda a obra do dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989) se baseia na premissa de que o Homem age de forma mecânica e desconhece os seus propósitos, diante da falta de sentido de sua existência - a mesma premissa encontrada na filosfia existencialista de Sartre e Camus. A obra do pintor dinamarquês Peter Martensen, a meu ver, ecoa essa visão.

The Face Test, óleo sobre tela, 90x110, 2007
The Movement, óleo sobre tela, 100x120cm, 2003

Martensen nasceu na cidade de Odense, em 1953. Estudou na Academia de Artes Plásticas de Odense, de 1971 a 1977, e na Academia de Artes Plásticas de Copenhague, de 1982 a 1984 - cidade onde vive até hoje. Começou a produzir sua melhor obra a partir do início da década de 90, ao retratar cenas de julgamentos, como o de Nuremberg (1945-46), o que o levou ao motivo das multiplicações, que seria o tema central de sua obra.

Act Study, óleo sobre tela, 140x190cm, 1996

Sobre o seu estilo, figurativo, monocromático e narrativo, Martensen prefere usar o termo realismo mental: "Uma pintura é, antes de mais nada, um espaço mental. É matéria da mente, assim como um objeto se torna ao ser percebido pelos olhos". Apesar disso, ele é reticente quanto a analisar a própria obra: "Nós devemos entender que a força da pintura é precisamente que ela está a uma grande distância da linguagem e muito perto dos sentidos; ela é pré-linguística, portanto contém muito mais informações, muitas das quais difíceis de se colocar em palavras. Por isso eu tenho que concordar com o pintor alemão Gerhard Richter quando ele diz: 'Minhas pinturas são mais inteligentes do que eu'".

Waterfront, óleo sobre tela, 80x100cm, 2004
Escape, óleo sobre tela, 120x100, 2002

Deixemos então crítico dinamarquês Carsten Odgaard analisar sua obra: "(...) na pintura de Martensen, a figura humana é destituída de toda personalidade e individualidade. Seus personagens são anônimos, seus traços são quase sempre iguais. São homens modernos comuns, medianos, sempre de camisa branca, calça escura, sapatos pretos e cabelos bem aparados. Tais personagens são tema central em sua obra, seja como uma figura solitária, seja como um ser isolado numa massa, um clone entre outros clones. Os clones por vezes apontam uns aos outros em reconhecimento, mas jamais criam um contato humano de fato, num mundo moderno que aliena o indivíduo".

Participants, óleo sobre tela, 155x185cm, 1995
Escape, óleo sobre tela, 120x100cm, 2002

Os personagens de Peter Martensen correm, mas não sabemos para onde. Eles também não sabem. Confabulam, sem um verdadeiro propósito. Eles se unem, mas permanecem solitários. Mas não parecem conscientes do absurdo, apenas continuam a correr. Pois é assim que todos fazem. Como diz um personagem de Beckett, "Se eu continuar chamando isso de minha vida, vou acabar acreditando. É o princípio da publicidade".


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sábado, 24 de setembro de 2011

Desiree Dolron


Hoje apresento o trabalho da fotógrafa holandesa Desiree Dolron (Haarlem, 1963). Sua série mais recente se aproxima muito da pintura, particularmente daquela dos flamengos como Rogier van der Weyden (1400-1464) e Petrus Christus (1410-1473), além de emular algumas cenas interiores do pintor dinamarquês Wilhelm Hammershoi (1864-1916). São fotos altamente manipuladas para se alcançar um efeito pictórico próximo ao desses mestres.


As fotos exibidas aqui são da série Xteriors, produzida de 2001 a 2008. Dolron também produziu uma série sobre Cuba, Te Dí Todos Mi Sueños, um coleção de retratos feitos embaixo d'água, Gaze, e uma outra sobre rituais religiosos ao redor do mundo, Exaltation. Todas podem ser vistas em seu site - link na barra ao lado.


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Tiina Heiska

Da série Patent Shoes, óleo sobre tela, 50x65cm, 2007

Tiina Heiska nasceu em Helsinque, na Finlândia, em 1959. Ela possui mestrado pela Academia de Artes Plásticas de Helsinque e é também graduada pela Universidade de Arte e Design (UIAH) daquela cidade.
Começou a expor em 1991 e desde então mantém-se ativa, tendo feito sua última individual, The Spell, em 2011, na Galeria Ama, também em Helsinque.

Da série Pink Coat and Slippers, óleo sobre tela, 46x60cm, 2007

Da série Twin Room, óleo sobre tela, 65x10cm, 2009

Tiina possui um trabalho bastante sólido e coerente, em séries que ela desenvolve desde 2003. Ela cria personagens a partir de fotos que tira de si mesma, desenvolvendo narrativas abertas, em imagens fora de foco feitas em série, em quartos solitários ou ruas desoladas. Às vezes um personagem masculino invade a cena, e não podemos senão conjecturar o que se passa ali.

Da série Spell, óleo sobre tela, 90x120cm, 2010

Às vezes essa personagem é uma menina, às vezes é uma femme fatale de minissaia e botas, e seu rosto nunca é mostrado. Segundo o historiador finlandês Juha-Heikki Tihinen, "A mulher retratada tem vida própria, ilustrada nas séries de pinturas. A imagem espelhada, ou o Doppelgänger, não é apenas um não-eu (o arauto da morte) ou uma metáfora, mas uma protagonista marcada pelo estranhamento e pela melancolia".

Da série Twin Room, óleo sobre tela, 50x76cm, 2009
Da série Twin Room, óleo sobre tela, 100x170cm, 2009

Para mim, particularmente, as pinturas de Tiina são muito evocativas da história do cinema. Vendo as imagens, vários filmes me vêm à memória, dos clássicos de Hitchcock a "Paris, Texas" de Wim Wenders, passando por vários Antonioni, Truffaut e Rohmer. Também gosto muito de como suas pinceladas foram ficando cada vez mais diluídas, as imagens cada vez mais desfocadas - como a nossa memória, enfim.

Da série Eclipse, óleo sobre tela, 57x105cm, 2006





Tiina Heiska

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

This One's For The Boys

Hernan Bas, The Hero Centaur, 91x122cm, 2005
Hoje eu apresento o trabalho de três pintores excelentes cuja temática é, essencialmente ou em grande parte, homoerótica: Hernan Bas, Barnaby Whitfield e Christian Schoeler. Outra característica em comum a eles é a preferência pelo trabalho em papel.

Hernan Bas, The Dirt Farmer, técnica mista sobre papel,
30,25cm, 2006

Hernan Bas nasceu em Miami, em 1978, e faz uma pintura carregada de lirismo. Suas pinceladas e suas cenas bucólicas lembram as obras dos impressionistas, e as obras mais urbanas, interiores, possuem aquele romantismo blasé de Elizabeth Peyton.

Hernan Bas, Mourning the Bristol Boy, técnica mista sobre papel,
33x33cm, 2004

Num ato de extrema sinceridade, Bas declarou: "A maioria de meus trabalhos é resultado do fracasso. Eu tento pintar de forma clássica, ser um 'mestre da pintura', mas acabo caindo no impressionismo o tempo todo. Chame de impaciência, de falta de talento, mas o impressionismo é uma falha que todos nós acabamos gostando".

Barnaby Whitfield, Fag Limbo (after Hernan Bas), pastel sobre papel, 101x73cm, 2009

Barnaby Whitfield também nasceu em Miami, em 1972, e foi cantor de ópera mirim e modelo. Uma característica peculiar é a opção pelo pastel sobre papel, técnica que ele domina com perfeição. Suas imagens são carregadas de erotismo e de personagens grotescos que, segundo ele, são resposta a uma violência sofrida anos atrás.

Barnaby Whitfield, Fresh Horses, pastel sobre papel, 127x177cm, 2009

Como muitos gays, infelizmente, Barnaby passou por momentos de indecisão e culpa quanto à própria sexualidade durante a infância e a adolescência. Diz o artista: "Eu estava decidido a não ser gay, embora dormisse com meninos e meninas igualmente. Eu criei uma grande mistura de vergonha e obsessão".

Barnaby Whitfield, Little Deaths, All the Same (the Artist as an Expiring  Red Winged Blackbird), pastel sobre papel,
61x61cm, 2011

Ainda sobre seus medos e traumas, ele diz: "Eu estou tentando reverter isso com a pintura, transformado a terrível realidade num belo sonho".

Christian Schoeler, Sem Título, óleo sobre tela, 40x50cm, 2011

Christian Schoeler nasceu em Hagen, na Alemanha, em 1979, e hoje mora e trabalha em Düsseldorf. Ele executa pinturas em técnica mista sobre papel, em pequenas dimensões, retratando a juventude e a sensualidade com certo romantismo, longe do cinismo e da opção pelo bizarro de boa parte de sua geração.

Christian Schoeler, Sem Título, técnica mista sobre papel, 25x30cm, 2011

Schoeler estudou na Academia de Artes Plásticas de Munique com o famoso pintor alemão Günther Förg, completando seus estudos em 2007. Além das pinturas, o artista também produziu algumas estampas para a Luis Vuitton.

Christian Schoeler, Sem Título, técnica mista sobre tela, 75x50cm, 2010

O jovem artista alemão é representado no Brasil pela Galeria Mendes Wood, fundada em 2009. Para ver mais trabalhos desses três pintores, clique nos links na barra ao lado.

sábado, 17 de setembro de 2011

Victor Castillo

Come Play With Us, Forever, acrílica sobre tela, 120x100cm, 2009

Alguns artistas/ilustradores criam verdadeiros universos, povoados de personagens únicos, não raro imersos em situações inusitadas, retratados com um estilo absolutamente pessoal. Um desses casos é o do artista chileno Victor Castillo.

Superstition, acrílica sobre tela, 91x91cm, 2011
Youth Against Fascism, acrílica sobre tela, 90x70cm, 2009

Castillo nasceu em Santiago, em 1973, e começou a desenhar aos cinco anos de idade, inspirado pelos personagens de desenho animado que via na TV - e que o "assombram" até hoje. Outras obsessões eram os filmes de ficção científica e capas de discos de vinil, como a de "The Wall" do Pink Floyd.

Chick Habbit, acrílica sobre tela, 50x50cm, 2007

Lucy's Party, acrílica sobre tela, 121x88cm, 2010

Após participar de um coletivo de arte ainda em Santiago, onde criava esculturas e instalações em vídeo, Castillo se mudou para Barcelona, na Espanha, em 2004, onde se estabeleceu como pintor. Após visitar o Museu do Prado (em Madri) e ver as obras de Goya, ele começou a aplicar aspectos da pintura clássica em seu trabalho.

Hell Yes, acrílica sobre tela, 120x80cm, 2009

O artista chileno faz uma mistura muito interessante de personagens exóticos, aparentemente saídos de algum desenho animado do início do Século XX, acrescidos muitas vezes de presenças fantasmagóricas - como um Papai Noel diabólico - e situações esdrúxulas, pintados com uma técnica primorosa.

Para ver mais trabalhos, inclusive desenhos, visite o site https://www.artsy.net/artist/victor-castillo