segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Larry Clark e a Censura

Billy Mann, do livro "Tulsa", 1971

No dia 22 último, eu publiquei um post sobre Nan Goldin. Dias depois, a curadora Ligia Canongia veio a público informar que a diretoria e o curador da Oi Futuro (instituto "cultural" da empresa de telefonia) haviam censurado a exposição da fotógrafa norte-americana, que Ligia organizava havia dois anos. Imediatamente me lembrei da polêmica em torno de Robert Mapplethorpe na década de 80, e mais um fotógrafo me veio à mente: Larry Clark, que teve sua exposição Kiss the Past Hello no Museu de Arte Moderna de Paris censurada para menores de 18 anos em outubro de 2010, por conter imagens impróprias. Detalhe: a censura foi decidida pelo prefeito socialista Bertrand Delanoë, o que torna a coisa ainda mais incomum.

Untitled, do livro "Tulsa", 1971

Larry Clark nasceu em 1943 em Tulsa, no estado de Oklahoma. Sua mãe fotografava bebês como profissão, e Larry começou a ajudá-la no negócio aos 13 anos de idade. Era a América do pós-Guerra, onde o "sonho" propagandeado pelo governo não encontrava reflexo da realidade, e onde os subúrbios escondiam uma classe média empobrecida, embrutecida e sem futuro. Clark, já na adolescência, começou a tomar anfetamina com os amigos.

Skip Tapping Vein, do livro "Tulsa", 1971

De 1963 a 1971, ele fotografou muitos desses personagens com uma crudeza perturbadora. Assim como Nan Goldin, sua foto não busca um ideal estético, mas o registro da realidade à sua volta. Em 64, Clark mudou-se para Nova York para trabalhar como fotógrafo freelancer, mas dois meses depois foi convocado para a Guerra do Vietnã. Em 71, publicou o livro Tulsa, um marco na história da fotografia norte-americana do Século 20, cujas imagens ilustram este post. No prefácio, ele escreveu: "Eu nasci em Oklahoma em 1943. Aos 16 anos, comecei a injetar anfetamina. Eu me injetei todos os dias durante três anos, depois fui embora da cidade, mas voltei nos anos seguintes. Quando a agulha entra, ela jamais sai".

Untitled, do livro "Tulsa", 1971

A experiência de Tulsa marcou e definiu o trabalho de Clark (alguns dizem que ela o aprisionou): a adolescência perdida para as drogas e a violência. Em 1983, publica o livro Teenage Lust, onde já não retrata a sua juventude, mas a juventude alheia, acrescentando um outro elemento ao seu universo: o sexo. Em 1995, lança-se como cineasta, roteirizando e dirigindo o longa-metragem Kids, onde escancarou o problema da AIDS entre os jovens e chocou o mundo com cenas explícitas de sexo. Depois vieram os filmes Bully (2001), Ken Park (2002), e Wassup Rockers (2005), além de filmes para TV e curtas.

Untitled, do livro "Tulsa", 1971

Sobre a polêmica da exposição em Paris, Clark afirmou: "Essa proibição foi um ataque à juventude. Estas fotos são para eles. Proibir pessoas de 16, 17 anos de vir aqui e ver a si próprios é ridículo. O que vamos sugerir que eles façam ao invés de vir ao museu? Que fiquem em casa onde, na Internet, eles podem ver pornografia e imagens da sarjeta?"



Larry Clark

Para ver todas as imagens do livro "Tulsa", clique no link na barra ao lado.

domingo, 27 de novembro de 2011

Cecily Brown

Pyjama Game, óleo sobre tela, 193x249cm, 1998

Cecily Brown nasceu em Londres, em 1969, filha da romancista Shena McKay e do renomado crítico de arte David Sylvester (autor do livro "Entrevistas com Francis Bacon - A Brutalidade dos Fatos"). Possui diplomas em Arte e Design pela Epsom School of Art de Surrey, em Desenho e Gravura pela Morley College e em Artes Plásticas pela Slade School of Art, ambos de Londres. Atualmente ela goza de enorme prestígio e suas pinturas fazem parte de importantes coleções ao redor do mundo.

Teenage Wildlife, óleo sobre tela, 203x229cm, 2003
Service de Luxe, óleo sobre tela, 190x190cm, 1999

A pintura de Cecily Brown é uma mistura de figuração e abstracionismo: à primeira vista, algumas telas parecem emular o Expressionismo Abstrato, mas logo surgem figuras familiares, e elas parecem estar sempre em meio ao ato sexual.

Two Figures in a Landscape, óleo sobre tela, 246x261cm, 2004

New Louboutin Pumps, óleo sobre tela, 206x205cm, 2005

Para o editor da revista Flash Art Magazine, Nicola Trezzi, a influência da proximidade com pintores como Lucian Freud e Francis Bacon (amigos de seu pai) foi decisiva na formação de Cecily, mas ela "transformou a aspereza em sensualidade, e a violência em glamour".

Single Room Furnished, óleo sobre tela, 152x190cm, 2000
Mas, na dificuldade em determinar exatamente onde se situa sua arte, Trezzi lembra de uma frase do pintor e escultor francês Jean Dubuffet: "A arte não se deita na cama que lhe fazem; ela foge assim que alguém diz o seu nome; ela gosta de permanecer incógnita. Seus melhores momentos são quando ela se esquece como se chama".



Cecily Brown em seu ateliê

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Nan Goldin

Kate Moss on a Horse like Lady Godiva, 2001
A foto acima é uma das mais belas que eu já vi, mas ela absolutamente não é a mais característica do trabalho de Nan Goldin. Só a coloquei porque não resisti. Quando pensamos em Nan Goldin, imaginamos logo camas desfeitas, corpos nus e abandonados, um cigarro, um copo de uísque, uma seringa talvez. Lady Godiva é uma exceção em seu léxico.

Nan and Brian in bed, NYC, 1983

Nancy "Nan" Goldin nasceu em 12 de setembro de 1953, em Washington, D.C., numa família judia de classe média. Seu mundo sofreu um forte abalo em 1965, quando a sua irmã Barbara, aos 19 anos, após inúmeros problemas com rapazes e confusa sobre a própria sexualidade,  cometeu suicídio deitando-se na linha do trem. Diz Goldin: "O psiquiatra da minha irmã disse que eu ficaria como ela. Eu pensei que cometeria suicídio aos 18 anos. Eu saí de casa aos 14 anos, e encontrei uma família. As drogas me libertaram. E depois viraram a minha prisão".

Rise and Monty on the Lounge Chair, NYC, 1988
Aos 15 anos, Goldin começa a se interessar por fotografia, e aos 20 faz sua primeira exposição, em Boston, onde já mostra os temas que lhe seriam mais caros: a comunidade gay e transexual da cidade, apresentada a ela pelo amigo David Armstrong, também fotógrafo. Em 1978, forma-se pela Escola do Museu de Belas Artes de Boston e decide se mudar para Nova York. Nan é romântica, insegura, autodestrutiva, talentosa e tem 25 anos, e Nova York está fervendo com a cena punk. O fogo encontra a gasolina.

Simon and Jessica in the Shower, Paris, 2001

Seu tema principal sempre foi o mundo imediatamente à sua volta: seus amigos, seus amores, suas noitadas, sua bissexualidade, seus excessos, sua solidão. Ela fotografa as pessoas com voracidade. Logo esse séquito se vê assombrado pelo fantasma da AIDS. Nos anos seguintes, seus amigos e amantes caem mortos como moscas. Diz Goldin: "Eu pensava que não iria perder as pessoas se as fotografasse bastante. Na verdade, as fotos só mostram o quanto eu perdi".

Gotscho kissing Giles, Paris, 1993

Já em 1979, Goldin inicia uma espécie de diário fotográfico chamado "The Ballad of Sexual Dependency", que chegou a centenas de imagens e foi lançado como um livro em 1986. Na década de 90, as suas imagens viraram icônicas, o seu estilo passou a ser copiado por fotógrafos e revistas de moda do mundo todo - o que deu origem ao termo heroin chic - que ela detesta. Em 1996, ela ganhou uma restrospectiva no Whitney Museum de Nova York, e em 2002 ganhou outra, no Georges Pompidou, em Paris. Em 2006, criou o vídeo Sisters, Saints & Sybils, onde tenta exorcizar o fantasma da irmã morta. A dor em Nan Goldin é real, e ela é, acima de tudo, uma sobrevivente.

Self-Portrait in the Mirror, Hotel Baur, Zürich, 1998


Veja o documentário "I'll Be Your Mirror" de Nan Goldin e Edmund Coulthard (em quatro partes, sem legendas em português):

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Justin Mortimer

Bureau, óleo sobre tela, 184x243cm, 2011

Desde a invenção da fotografia (o primeiro registro foi em 1826), sua relação com a pintura passou por diversas fases. A princípio, ela tomou da representação pictórica a primazia sobre o retrato, por um lado democratizando-o, e por outro libertando os pintores do realismo - ela foi, em parte, propulsora do Modernismo. Durante o Século 20, os pintores, em maior ou menor grau, utilizaram a fotografia como ponto de partida para suas pinturas, o que até hoje não é visto com bons olhos pelos mais puristas. Alguns, como os hiper-realistas surgidos nos anos 70, esforçaram-se para mimetizá-la, enquanto outros a usaram como um ponto de partida para experiências mais livres. Em anos mais recentes, com o advento da fotografia digital e de programas como o Photoshop, muitos pintores abraçaram-na como parte essencial do processo de composição de imagens. É a esse grupo de artistas que pertence Justin Mortimer.

Cadet, óleo sobre tela, 160x160cm, 2011
Untitled, óleo sobre tela, 185x226cm, 2010

Mortimer é inglês e nasceu em 1970. De 1988 a 1992, estudou na Slade School of Art de Londres, onde ele vive e trabalha. Sua primeira exposição coletiva aconteceu em 2004, e já em 2006 ele fez a sua primeira individual, na Galerie Bertin-Toublanc em Paris. Sua exposição mais recente intitula-se Häftling ("prisioneiro", em alemão) e ocorreu este ano na Mihai Nicodim Gallery, em Los Angeles. Segundo o crítico David Trigg, são "pinturas sombrias e enigmáticas, repletas de inquietude.Suas narrativas ambíguas e excêntricas revelam estados psicológicos e abordam a alienação, a solidão ontológica e a fragilidade do corpo humano".


Foyer, óleo sobre tela, 218x188cm, 2010
Hill, óleo sobre tela, 61x81cm, 2009

Apesar de ser um pintor, o processo criativo de Mortimer passa, obrigatoriamente, pela fotografia. Numa primeira fase, ele tira fotos e também as coleta de revistas, livros médicos ou de qualquer outro meio. Em seguida, ele produz colagens com essas fotos no Photoshop, que depois são transferidas para a tela, mas não de forma definitiva. O processo pode ser invertido - a pintura é fotografada, digitalizada e novos elementos são acrescidos no arquivo digital, que mais uma vez é transposto para a tela, modificando-a. Esse processo de vai-e-vem pode resultar em até 15 colagens, segundo o artista.

Häftling, óleo sobre tela, 184x228cm, 2010
Family Plot, óleo sobre tela, 61x76cm, 2007

O processo criativo do pintor inglês, assim como seu repertório de imagens, lembra o trabalho do pintor Eduardo Berliner (Rio de Janeiro, 1978), contemplado com o Prêmio Marcantonio Vilaça em 2010 e o primeiro brasileiro a fazer parte da Coleção Charles Saatchi. O uso de imagens fotográficas e a colagem não são novidade; muitos pintores já se utilizaram delas para compor imagens, assim como a justaposição e a retirada de camadas de tinta e/ou outros materiais há muito fazem parte do processo de criação de vários deles. Talvez a única novidade seja que o processo, que antes era manual e mecânico, agora possui uma etapa digital.



Justin Mortimer em seu ateliê


Para ver mais trabalhos, acesso site do artista, na barra de links ao lado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

George Shaw

Scenes from the Passion: The Cop Shop, esmalte sobre tela, 2000

Recentemente descobri o pintor inglês George Shaw, com quem, a despeito da diferença de técnica e temática, senti grande identificação - que veio principalmente da trajetória que ele percorreu. Nascido em 1966, em Coventry, cresceu no subúbio de Tile Hill, tema de todas as suas pinturas, feitas em esmalte Humbrol, a preferida dos aeromodelistas.

Ash Wednesday, 7am, esmalte sobre tela, 2005
No Returns, esmalte sobre tela, 2009

Em 1986, Shaw foi estudar Artes Plásticas na Escola Politécnica de Sheffield, mas ficou decepcionado com a metodologia excessivamente tradicional e abandonou as artes durante vários anos. Nesse tempo, sobreviveu dando aulas em Nottingham. Aos 30 anos, decidiu voltar a estudar Artes, desta vez matriculando-se no Royal College de Londres. Ao visitar seus pais em Tile Hill, começou a tirar fotos - que totalizam mais de 10 mil atualmente. Durante esse tempo, como quase todos de sua geração, experimentou com outras técnicas, tecnologias, suportes e linguagens.

Poets Day, esmalte sobre tela, 2006
The Assumption, esmalte sobre tela, 2010

Sobre a trajetória a que me referi, Shaw explica: "Entre os 13 e os 17 anos, eu era completamente apaixonado pela pintura. Não havia nada de superficial nela, não havia dúvidas ou questionamentos. Eu queria ser artista, então eu via livros e transformei o meu quarto num ateliê. Eu tinha certeza, mas essa certeza foi se diluindo pelo caminho, principalmente na escola de Arte". Tal questionamento o levou a uma paralisia, a mesma que me acometeu em anos recentes.

The Back that Used to be the Front, esmalte sobre tela, 2008

Shaw continua: "Eu não queria fazer nada após terminar o curso de Artes Plásticas, mas quando finalmente voltei a pintar, eu só pensei naquele entusiasmo extraordinário que eu tinha antes. Foi uma verdadeira jornada sentimental ao encontro da pessoa que eu era, e encontrar uma forma de fazer uma pintura verdadeira retratando o lugar onde nasci e cresci, sem que ninguém a considerasse kitsch ou irônica".

The Resurface, esmalte sobre tela,

Tal coragem - a de abraçar com paixão uma representação realista do lugar de suas primeiras memórias - fez surgir paisagens cativantes, ora misteriosas, ora desoladas, embora Shaw afirme: "Para mim, elas estão repletas da presença humana: as pessoas com quem eu cresci, a minha família, os transeuntes - todas elas estão lá, em algum lugar, dentro da pintura".  Esse retorno à pintura também rendeu a Shaw o reconhecimento: em 2011, ele foi indicado para o Turner Prize, o prêmio mais importante de arte na Europa.O lugar pode ser um subúrbio inglês, mas os sentimentos de nostalgia e perda são comuns a todos nós.



George Shaw - Cup o'tea anyone?


Para ver mais algumas obras, clique no link ao lado (da Wilkinson Gallery)


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Thais Zumblick

Andy 4, óleo sobre tela, 120x120cm, 2004

Outra artista cuja obra conheci através de minha experiência com a Marina Kessler Gallery foi a pintora Thais Zumblick, com quem participei de algumas exposições coletivas. Nascida em Santa Catarina e radicada há 15 anos em Buenos Aires (após um período de cinco anos na Itália), Thais faz uma pintura realista virtuosa, realizando, segundo diz, "uma fusão entre o barroco e o pop".

Dani Dan, óleo sobre tela, 50x60cm, 2005
Guille 3, óleo sobre tela, 100x120cm, 2006

Uma coisa que sempre me intrigou nas pinturas de Thais foram os olhos negros, vazados, os rostos como se fossem máscaras. Entrevistei Thais para este post, e ela me eluciou de forma detalhada essa característica: "Quando eu era criança, os olhos vazios de Modigliani me fascinavam. Um fascínio misturado ao incômodo que às vezes temos. No final dos anos 80, fui estudar na Itália, onde fiquei cinco anos. Estava começando a pintar e, morando ao lado da Galeria Ufizzi, minha pintura começou a ser realista. Foram anos complicados, e comecei a esvaziar os olhos dos meus personagens. Jogar no limite do terror tranquilizava os meus medos".

Blitto 1, óleo sobre tela, 150x150cm, 2010
Vety 2, óleo sobre tela, 120x100cm, 2003

Continua Thais: "Em 1999, já em Buenos Aires, tive um ataque de pânico que me deixou mal por um ano. Foi quando uma amiga me emprestou o livro 'O Belo e o Sinistro', do filósofo espanhol Eugenio Trías, que escreveu: 'Não pode haver o efeito estético sem que o sinistro, de alguma maneira, esteja presente na obra artística'". Thais ainda cita duas frases seminais, de Rilke: "O belo é apenas o começo do terrível que ainda podemos suportar", e de Schelling: "O sinistro é aquilo que, devendo permanecer oculto, foi revelado". No livro, Trías faz uma classificação dos elementos sinistros a partir de Freud; entre eles, está a extirpação dos olhos.

Pablo Gore-Punk, óleo sobre tela, 160x110cm, 2011
Zoe 4, óleo sobre tela, 100x200cm, 2011

Ela diz: "Eu estou convencida de que não só é terapêutica essa relação paradoxal do extremamente belo (a decoração excessiva) com o terrível, como posso hipnotizar o espectador de um modo desconcertante". A pintura de Thais passou, nos últimos dois anos, a incorporar mais elementos de composição e a se aproximar do hiper-realismo, como pode ser visto nas duas obras acima. Sua técnica se aperfeiçoou, e os elementos "barrocos" e "pop" estão cada vez mais exacerbados. Mas os olhos continuam vazados, meio absortos, meio ausentes, à espera da anima.




Thais Zumblick


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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Hugo Tillman

Film Stills of the Mind (Ai Weiwei), 2007

Em 2004, enquanto eu expunha em Miami, conheci o fotógrafo inglês Hugo Tillman, que era representado pela mesma galeria que eu. Nascido em Londres, em 1973, de familia rica, e radicado em Nova York, Hugo sobrevivia fazendo fotografia de moda - a contragosto - enquanto desenvolvia seu trabalho artístico. Meses depois, ele me visitou em São Paulo com a namorada (eu ofereci o meu apartamento, mas ele preferiu ficar num hotel decrépito no centro), e eu o levei a alguns museus. Ele pareceu menos interessado na arte brasileira do que na paisagem humana à sua volta.

Upper Class (Mrs. William Cluet), 2006

Upper Class (Gilbert Kahn and John Noffot), 2006

Na época, ele desenvolvia uma série intitulada Upper Class. Valendo-se de sua intimidade com os ricos, fazia retratos supostamente lisonjeiros, quando na verdade criava uma caricatura grotesca dos stinking rich de sangue azul. Nos anos seguintes, perdemos o contato, e agora fazendo minhas pesquisas tive o prazer de descobrir que Hugo percorreu um longo caminho - não sem dor - e encontrou a sua melhor expressão, delineando ao mesmo tempo um panorama da efervescente arte contemporânea chinesa.

Film Stills of the Mind (Jiang Jie), 2007
Film Stills of the Mind (Yu Hong), 2007

Em 2005, ele foi diagnosticado com transtorno bipolar. Diz Hugo: "Eram pequenos desequilíbrios em meu cérebro, resultado de uma vida de altos e baixos dramáticos, onde eu muitas vezes me encontrava sem dinheiro, num hotel barato de um país estrangeiro, com uma ressaca terrível. O meu diagnóstico foi um alívio, para dizer o mínimo, e eu decidi criar um projeto baseado em minha experiência com a psicanálise. Como o meu trabalho lida muitas vezes com a infiltração em subculturas, eu decidi procurar por empatia numa cultura sobre a qual eu fosse completamente ignorante, num esforço de criar um laço cultural através da experiência comum e da compaixão".

Film Stills of the Mind (Zhang Xiaotao), 2007
Ele continua: "Eu escolhi o mundo da arte contemporânea chinesa. Então eu hipotequei a minha casa e fui para Pequim, sem saber como eu alcançaria o meu objetivo sem conhecer a cidade ou as pessoas. Logo eu percebi que o mundo das artes em Pequim era incrivelmente aberto, sem as amarras de veludo metafóricas que você encontra no círculo das artes nos Estados Unidos e na Europa. Então eu criei a série Film Stills of the Mind em colaboração com os principais artistas chineses atuais".

Film Stills of the Mind (Li Dafang), 2007

Durante dois anos, Hugo viveu entre Pequim, Xangai, Guangzhou e Hangzhou, entrevistando artistas como Ai Weiwei, preso em abril deste ano por suposta evasão fiscal - especula-se que o real motivo tenha sido sua aberta oposição ao Partido Comunista da China (PCCh). Weiwei ficou 81 dias preso e agora terá que pagar uma multa de US$ 2,3 milhões ao governo chinês. Esses depoimentos podem ser ouvidos no site do artista (link ao lado), na seção Maplap, em inglês, italiano ou chinês. Diz Hugo: "Este trabalho começa a dar forma a uma relação autônoma que está se desenvolvendo organicamente entre mim e minha geração e a China. Foi a primeira de, espero, muitas incursões à China, com os artistas chineses falando o que pensam".

Daydreams of Mine (The Old Man and...), 2008

Em 2008, Hugo passou seis dias em Havana, fazendo intevenções e fotografando, com apoio do governo cubano. São composições encenadas, algo surreais, seu "pequeno ponto de vista dessa cidade de contrastes". Ao mesmo tempo, termina o seu curso de Filosofia pela Universidade de Oxford. Entre os bairros mais ricos de Nova York e Londres e os mais depauperados de Pequim ou Havana, Hugo segue tentando compreender a dimensão humana do nosso mundo, para, em última instância, compreender a si mesmo.



Hugo Tillman