domingo, 10 de julho de 2011

Touros Indomáveis

Em 1968, a Paramount comprou os direitos do livro "O Poderoso Chefão", de Mario Puzo, que faria também o roteiro do filme. O chefe do estúdio na época, Robert Evans, ofereceu o projeto a vários diretores, que recusaram. Ele então percebeu que todos os filmes sobre a máfia haviam sido dirigidos por judeus, e imaginou que seria melhor chamar um diretor italiano, para que o filme "cheirasse a espaguete". Seu colega Peter Bart sugeriu um jovem cineasta, Francis Ford Coppola. Evans relutou a princípio (Coppola era tido como um talento promissor, mas havia feito três filmes que não deram bilheteria), mas deu o sinal verde. Coppola a princípio também recusou, porque queria fazer filmes autorais - ele gostava de filmes europeus, não estava interessado num projeto "comercial" de estúdio nenhum. Porém, ele havia criado a produtora Zoetrope, que estava mal das pernas, e devia 300 mil dólares à Warner, e acabou aceitando. O resto é história - "O Poderoso Chefão" foi sucesso de crítica e público (ganhando três Oscar em 1972 - melhor filme, roteiro e ator para Marlon Brando) e Coppola alcançaria o status de grande diretor (embora sempre endividado).

As duas opções de capa da edição brasileira

Esta é uma das histórias (contadas longamente e com detalhes deliciosos) do livro "Easy Riders, Raging Bulls: How the sex-drugs-and-rock'n'roll generation saved Hollywood", do jornalista norte-americano Peter Biskind, que entrevistou pessoalmente centenas de pessoas, entre diretores, produtores, atores, roteiristas, esposas e ex-esposas, desenterrando histórias tão picantes que a revista Time Out disse que ele deve ter um belo time de advogados. A edição brasileira (Intrínseca, 502 páginas) manteve o título em inglês (dos filmes "Sem Destino" e "Touro Indomável") e traduziu o subtítulo, além de lançá-lo em duas capas. A tradução é da jornalista e crítica de cinema Ana Maria Bahiana.

Marlon Brando e Francis Coppola em 1971

O livro fala da fase que mais gosto do cinema norte-americano, a década de 70, quando um bando de novos cineastas, brilhantes, impetuosos, de certa forma arrogantes e muitas vezes irresponsáveis tomaram o poder das mãos dos grandes estúdios e fizeram aquilo que Coppola sonhava: um cinema original e corajoso, tal qual seus colegas europeus faziam. O marco zero dessa produção é exatamente o filme "Sem Destino" (1969), dirigido por Dennis Hopper, que provou que era possível realizar um filme autoral de baixo orçamento e ainda assim obter boa bilheteria, abrindo caminho para outros cineastas. E o que se seguiu foi uma avalanche de filmes memoráveis de uma geração que incluía, além de Coppola (que faria ainda "O Poderoso Chefão II e III", "A Conversação" e "Apocalypse Now"), Martin Scorsese ("Caminhos Perigosos", "Alice Não Mora Mais Aqui", "Taxi Driver", "Touro Indomável"), Peter Bogdanovich ("A Última Sessão de Cinema"), Stanley Kubrick ("2001, Uma Odisséia no Espaço", "Laranja Mecânica"), John Cassavetes ("Uma Mulher Sob Influência"), Robert Altman ("M.A.S.H.", "Nashville"), Mike Nichols ("Ardil 22", "Ânsia de Amar"), Woody Allen ("Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", "Manhattan"), William Friedkin ("Operação França", "O Exorcista"), Hal Ashby ("Ensina-me a Viver", "Amargo Regresso"), Arthur Penn ("Bonnie e Clyde", "Duelo de Gigantes"), Alan Pakula ("A Trama", "Todos os Homens do Presidente"), Brian de Palma ("Carrie, a Estranha"), Bob Fosse ("Cabaret"), Sydney Pollack ("A Noite dos Desesperados", "Nosso Amor de Ontem"), Terrence Malick ("Terra de Ninguém"), Sidney Lumet ("Serpico", "Um Dia de Cão", "Rede de Intrigas"), George Lucas ("Loucuras de Verão", "Guerra nas Estrelas") e Steven Spielberg ("Encurralado", "Tubarão", "Contatos Imediatos de Terceiro Grau"). Alguns diretores europeus também aproveitaram a onda e realizaram grandes filmes em Hollywood, como John Boorman ("Amargo Pesadelo"), John Schlesinger ("Perdidos na Noite"), Nicholas Roeg ("Inverno de Sangue em Veneza", "O Homem que Caiu na Terra"), Milos Forman ("O Estranho no Ninho"), Roman Polanski ("O Bebê de Rosemary", "Chinatown"), Bernardo Bertolucci ("O Último Tango em Paris") e Louis Malle ("Pretty Baby", "Atlantic City"). Cineastas veteranos também aproveitaram a onda e tiveram a liberdade necessária para fazer alguns de seus melhores trabalhos, como Sam Peckinpah ("Sob o Domínio do Medo"), Don Siegel ("Perseguidor Implacável") e John Huston ("Cidade das Ilusões", "O Homem que Queria Ser Rei").

Robert De Niro e Martin Scorsese em 1975

"Easy Riders, Raging Bulls" descreve a trajetória de todos esses diretores durante a década de 70, com seus problemas com os estúdios, as dificuldades nas filmagens, a relação com os atores, as drogas, as mulheres, os excessos e, por fim, como o fracasso retumbante de filmes caríssimos como "O Portal do Paraíso" (1980, de Michael Cimino, que havia feito "O Franco Atirador"), fez com que os estúdios fechassem as torneiras para financiar essa geração e retomassem o controle sobre as produções, tendo como meta uma única coisa: o lucro. Hollywood nunca havia tido e jamais voltaria a ter essa liberdade para ousar. Hoje, cineastas como Coppola e Woody Allen têm dificuldade para financiar seus filmes nos Estados Unidos. O primeiro se vale de sua produtora de vinhos para fazer filmes pequenos e independentes, o segundo vai buscar dinheiro na Europa. Nesta época de blockbusters e cineastas que filmam com um olho no visor da câmera e outro no manual de etiqueta de Hollywood, só nos resta rever esses antigos mestres e lembrar que cinema pode, sim, ser feito com originalidade e colhões.

5 comentários:

  1. Gostei muito do blog Marcelo!!
    Muito bom... Parabéns.

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  2. Já assinou, Karoline! Marcoz, muito obrigado. É um prazer tê-los aqui.

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  3. Puxa, adorei o texto e a lista de filmes. Sabia que outro dia desses passou na TV "A Última Sessão de Cinema"? Bom, como você disse, só nos resta mesmo.

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  4. Bia, o livro tem muitas histórias interessantes sobre Peter Bogdanovich - e uma das mais melancólicas também. Me deu vontade rever esse filme.

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