Wesley Duke Lee (1931 - 2010) |
Eu havia conhecido, através de um amigo, a decoradora Vera Leslie (que não vejo há anos) e, durante um tempo, fizemos visitas um ao outro. Certo dia, Leslie me convidou para ir ao aniversário de seu marido, Douglas, que seria em sua belíssima - e coloridíssima - casa no bairro do Ibirapuera. Chegando lá, encontrei a casa cheia, muitos amigos do casal, além de seus filhos e os amigos destes. Eu não conhecia ninguém além de Vera e Douglas, e me preparei para passar uma noite agradável mas solitária em meio a várias pessoas. Após um tempo na sala, tentando participar sem muito esforço de uma roda de conversa, me levantei e fui ao terraço da casa, tomar um ar. Lá, sentado sozinho à uma mesa, com uma garrafa de vinho tinto à sua frente, havia um homem elegante, grisalho, um fino bigode encimando um leve sorriso. Era o artista Wesley Duke Lee.
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"O Nome do Cadeado é: As Circunstâncias e seus Guardiões", 1966 |
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"Birgitta Pensando", 1966 |
Contou-me muitas histórias; disse que com o dinheiro que ganhou com a Bienal de Tóquio de 1965 rodou o mundo até não restar um centavo, e que tinha pena de nós, artistas atuais, vítimas de uma economia acachapante e de um mercado de arte perverso. Falou-me de artistas, de mulheres, da vida. Eu, na minha arrogância, comecei com minha ladainha contra Duchamp. Eu disse a ele que tinha uma teoria sobre o francês. Wesley me serviu mais vinho:
- Eu terei o maior prazer em ouvir.
Eu lhe disse que Marcel Duchamp era um bom pintor cubista, mas que não poderia chegar ao nível de seus contemporâneos como Picasso e Braque; por outro lado, era muito mais inteligente, era um intelectual, e decidiu usar sua inteligência para destruir a arte e encontrar um meio onde se sobressaísse. Wesley acendeu um cigarro:
- Olha, eu conheci Duchamp pessoalmente. Apesar da irreverência, ele era um artista extremamente sério. Ele acreditava no que fazia.
Lembrei-me de quanto o dadaísta havia influenciado Wesley, e o quanto da mesma irreverência havia em sua obra. Ele não pareceu ofendido, muito pelo conrário: pareceu divertir-se com minha insolência. Mudamos de assunto, e ele ainda comentou que estava fazendo experimentos com arte digital. Muitas taças de vinho e muitos cigarros depois, nos despedimos. No carro, no caminho para casa, pensei na minha sorte de ter conhecido Wesley Duke Lee por acaso. O transgressor irreverente era, acima de tudo, um gentleman.
No ano seguinte, Wesley apresentaria a série "O Filiarcado", que, salvo raras exceções, foi solenemente ignorada pela crítica. Pouco antes de sua morte, em 2010, como de costume, o mercado da arte se alvoroçou. Todos, imagino, torcendo secretamente para que o velho batesse logo as botas, elevando o preço de suas obras disponíveis no mercado. Não há melhor notícia para galeristas e leiloeiros do que a morte de um artista. Mr. Lee must be laughing up there.
A propósito, o título do post é também o titulo de uma música do ótimo Television. Assista:
Call Mr. Lee - Television
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