domingo, 31 de julho de 2011

Gerhard Richter na Pinacoteca

Betty, óleo sobre tela, 102x72 cm, 1988

Acabo de voltar da exposição do artista alemão Gerhard Richter na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Para resumir numa palavra: decepcionante. Segundo o release da própria instituição, são "27 pinturas escolhidas pelo próprio artista, desde os trabalhos de fotografia-pintura dos anos 1960 até as pinturas abstratas dos anos 1980 e 1990". Na verdade, desse já pequeno lote (de um artista que possui uma obra tão extensa), apenas 12 são pinturas originais, dessa última fase, a mais fraca do artista: um mero exercício de texturas e tonalidades, para quem não teme aceitar que mesmo um artista brilhante possui fases redundantes (as primeira séries abstratas são da década de 60). O restante das "imagens" são meras reproduções fotográficas, inclusive de sua famosa pintura "Betty", de 1988, vista acima. Eu sou da opinião que, se for para ver reproduções fotográficas de pinturas, eu prefiro vê-las em casa, em meu monitor widescreen de alta definição - mesmo que o próprio Richter às vezes reverta o processo de pintar a partir de uma fotografia, depois fotografando a pintura. Nada substitui a experiência de estar a um palmo de distância de uma pintura original.

Leitora, óleo sobre tela, 72x102cm, 1994
Leitora, óleo sobre tela, 51x71cm, 1994

A minha decepção foi ainda maior porque eu engrosso o coro de fãs de Richter, um artista irrequieto, original e corajoso. Sua maior coragem, a meu ver, foi libertar-se de um mandamento fundamentalista da arte, aquele que prega que um artista deve possuir um estilo imediatamente reconhecível, um obra coesa, que vai de A a B e depois a C. Quem procurar coerência na obra do artista alemão dará com a cara na parede, e muitas vezes a crítica não soube como classificá-lo. Diz Richter: "A teoria não tem nada a ver com a obra de arte. Uma pintura interpretável, que contém um significado, é uma pintura ruim. Uma pintura se apresenta como o Indisciplinável, o Ilógico, o Sem Sentido". Não ter um estilo próprio nem uma obra reconhecível, afinal, acabou virando o seu estilo. Quanto às hierarquias da arte, o artista é taxativo: "Eu não acredito em nada".

Mergulhador II, óleo sobre tela, 80x80cm, 1965

Uma das primeiras fases de Richter (nascido em Dresden em 1932) mostra pinturas borradas (uma de suas marcas registradas), feitas a partir de fotos que ele tirava ou pegava em jornais e revistas. Os borrões assumem um efeito duplo: dão à imagem um aspecto fotográfico, de um "erro" mecânico e, ao mesmo tempo, atestam a interferência do pintor sobre aquela imagem, dando-lhe plasticidade e um aspecto autoral ao que seria uma simples representação da realidade. Sobre esses trabalhos, diz o artista: "Eu nunca achei que houvesse algo faltando nas telas borradas. Pelo contrário: você pode ver muito mais coisas nelas do que numa imagem com o foco preciso. Uma paisagem pintada com tal exatidão força você a ver um número determinado de árvores claramente definidas, enquanto numa pintura borrada você pode enxergar quantas árvores quiser. A pintura é mais aberta".

Fausto, óleo sobre tela, 295x675cm, 1980

Tal mecânica de apreensão/cópia/representação da realidade é, em última instância, o que interessa ao artista, e tão somente - o tema é secundário. Richter pintou à exaustão carros, aviões, animais, maçãs, velas, nuvens, praias, prédios, portas, cortinas, flores, crânios, tubos. Mesmo os retratos são pintados de forma "fria" e impessoal, seja de sua filha Betty ou dos 48 ilustres retirados de uma enciclopédia. E, com o mesmo distanciamento, passou a pintar quadros abstratos, chegando ao máximo da sistematização com as "Cartelas de Cores", série iniciada em 1966 e que se estendeu até 2007. Outras fases incluem óleos sobre papel, aquarelas, desenhos, pinturas sobre fotografia, gravuras, "microsites" e a imensa série Atlas: 783 painéis com imagens que serviram de inspiração, direta ou indiretamente, para a obra de Richter.

25 Cores, esmalte sobre Alu-Dibond, 49,7cmx48,7cm, 2007


O que liga o artista da primeira imagem desta página ao artista desta última? O que deseja, de fato, Gerhard Richter? Talvez seja melhor refrearmos o nosso intelecto e nos entregarmos aos sentidos, pois, conforme ele mesmo disse: "Falar sobre pintura não faz sentido. Ao tentar transmitir alguma coisa através da linguagem, você a modifica. Você constrói qualidades que possam ser ditas, e deixa de fora aquelas que não podem ser ditas, que são sempre as mais importantes".

Não deixe de ver o completíssimo site do artista, no link ao lado.
Clique abaixo para ver uma entrevista com Gerhard Richter (sem legendas):

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