sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Francis Bacon (1909-1992)

Three Studies for a Crucifixion, tríptico - painel esquerdo, ost, 198x144cm (cada), 1962
"Eu não me vejo exatamente como um pintor, mas como um intermediário para o acidente e o acaso" - assim definia-se um dos artistas mais geniais do século XX, e um dos meus pintores prediletos: Francis Bacon. Assim como Samuel Beckett nos propôs abraçar o caos e o absurdo, por eles serem palpáveis, Bacon construiu toda a sua obra sobre a impossibilidade de harmonia e de amor, sobre a finitude e a mortalidade da carne, sobre a crueldade humana, sobre a inexistência de Deus e, em última instância, sobre a violência.

Self-Portrait, ost, 198x147cm, 1973
Francis Bacon nasceu em 1909 em Dublin, Irlanda, homônimo do filósofo e estadista elizabetano (de quem, segundo sua mãe, era parente distante). Seus pais haviam mudado recentemente da Inglaterra, onde seu pai servira o exército, chegando a capitão, para que ele tentasse a vida como criador e treinador de cavalos. Homem rígido e agressivo, não aceitava os modos afeminados do filho, tampouco a sua asma, que o impedia de se aproximar de cães e cavalos.

Two Figures, ost, 152x116cm, 1953
Aos 17 anos, Francis foi expulso de casa, após seu pai pegá-lo olhando-se no espelho vestindo as roupas íntimas da mãe. Segundo o pintor, ele sentia ao mesmo tempo repulsa e atração pelo pai, mitigada com encontros furtivos com os empregados do estábulo. Foi viver em Londres, sozinho, sobrevivendo com uma mesada enviada pela mãe. Para completar a renda, segundo ele próprio, fazia pequenos furtos e se prostituía com homens mais velhos.

Triptych in Memory of George Dyer, ost, 198x147cm (cada), 1971
Em andanças por Berlim e Paris, Bacon teve duas experiências que o marcariam como artista: ele assistiu a "Um Cão Andaluz", filme de 1929 de Luis Buñuel, sobre o qual mais tarde comentou: "Não sei como os filmes de Buñuel me afetaram diretamente, mas eles certamente me afetaram com relação a coisas visuais, na acuidade das imagens que você produz". A outra experiência foi a visita a uma exposição de Pablo Picasso - que o levou a querer pintar.

Study of George Dyer, ost, 1969
De volta a Londres, Bacon tornou-se decorador de interiores e designer de móveis, fazendo amizade com o pintor pós-cubista australiano Roy de Maistre, que o incentivou a seguir a carreira de pintor. Na mesma época, ele começou um relacionamento - que duraria 15 anos - com Eric Hall, homem casado, pai de dois filhos e membro respeitável da sociedade londrina, que o sustentou enquanto ele não pôde viver de seu trabalho como decorador nem de suas pinturas.

Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion, tríptico, ost, 198x147cm (cada), segunda versão, c. 1944
Já na década de 30, surgiu um tema que acompanharia Bacon por toda a vida: a Crucificação, muitas vezes pintada em trípticos - composição de três painéis típica da arte medieval e renascentista, onde o painel central geralmente trazia a figura de Cristo ou da Virgem Maria, e os laterais, figuras de santos. Sobre o tema, Bacon disse: "Para as pessoas religiosas, a Crucificação tem um significado, mas, para mim, ela tem outro: ela apenas representa a forma com os homens se tratam".

Study after Velázquez's Portrait of Pope Innocent X, ost, 153x118cm, 1953
Seu estilo de pintura já estava presente nos dois elementos formais que são a essência de sua obra: a deformidade da carne e esquematismo na composição dos ambientes, com grandes áreas chapadas, pintadas com cores fortes . Bacon sempre foi absolutamente sincero e corajoso na insistência de que sua arte derivava de um acidente, não de seu dominio sobre o meio. Ele jamais pintava modelos vivos, e usava quaisquer fotografias que tivesse em mãos como ponto de partida para a representação da figura humana. Seus estudos do retrato do Papa Inocêncio X de Diego Velázquez foram feitos a partir de uma foto. Também usava com frequência os experimentos fotográficos de Eadweard Muybridge.

Paralytic Child Walking on all Fours (from Muybridge), ost, 1961
As décadas de 40 e 50 foram prolíficas, e em 1962 Francis Bacon já ganharia uma restrospectiva na Tate Gallery, em Londres. Em 1963, ele conhece o homem que seria seu companheiro inseparável e tema de muitos quadros: o londrino George Dyer, homem elegante e másculo, com um passado de pequenos delitos, mas que no fundo possuía uma personalidade insegura e depressiva. Bacon tinha 54 anos; Dyer, 29. Bacon gostava de dizer que conhecera Dyer quando este tentou arrombar o seu ateliê.

Study for Head of George Dyer, ost, 35x30cm, 1867
O relacionamento conturbado com Dyer durou até outubro de 1971, quando Bacon teria uma grande exposição individual no Grand Palais de Paris, honra antes concedida apenas a Picasso. Dois dias antes da abertura, em 25 de outubro, Dyer foi encontrado morto no quarto de hotel, vítima de uma overdose de álcool e barbitúricos. Bacon compareceu à abertura como se nada tivesse acontecido. Nos anos seguintes, porém, ele dedicaria várias obras ao ex-amante.

Studies from the Human Body, tríptico - painel central, ost, 198x147cm (cada), 1970
Entre 1962 e 1986, Bacon concedeu nove longas entrevistas ao famoso crítico inglês David Sylvester, que foram reunidas no livro "Entrevistas com Francis Bacon: a Brutalidade dos Fatos" (publicado no Brasil pela editora Cosac Naify, em 1998). Nelas, Bacon discorre sobre seus temas e seu processo de trabalho. Entre outras coisas, diz preferir pintar de memória ou a partir de fotos, jamais tendo o modelo à sua frente, para que a pessoa não testemunhasse a "ofensa" que ele fazia à sua imagem - pois era dessa forma que muitos retratados se sentiam. Sobre a violência de suas imagens, ele afirmou: "Obra de arte nenhuma pode ser mais violenta do que a vida".

Trptych May-June, ost, 198x147cm (cada), 1973
Em meados dos anos 70, o artista britânico conheceu outro jovem londrino, que iria acompanhá-lo durante o resto de sua vida: John Edwards, único herdeiro de seu espólio. Durante toda a década de 80, Bacon produziu, expôs e solidificou sua reputação como um dos maiores pintores vivos - senão o maior. No entanto, sua idade avançada e a asma já o debilitavam, e ele teve um rim canceroso extirpado em 1989. Em abril de 1992, ele fez uma viagem a Madri, para se encontrar com um jovem espanhol com quem ele se relacionava havia alguns anos. Ao chegar, caiu doente e foi internado numa clínica, vindo a morrer de ataque cardíaco em 28 de abril.

Francis Bacon em seu ateliê em Londres
Em um de seus depoimentos a David Sylvester, Francis Bacon afirmou, a respeito da constante busca - e da constante frustação do artista: "Como você pode ficar satisfeito, se tudo lhe escapa? Mesmo quando você está apaixonado por alguém, tudo lhe escapa; você quer ficar mais próximo àquela pessoa, mas como você pode abrir a sua carne e se unir a ela? É uma impossibilidade. O mesmo acontece com a arte - ela é como um longo caso com objetos, com imagens, com sensações e com as paixões".



Para acessar o site oficial do Espólio de Francis Bacon, clique no link ao lado.
Para assistir a um documentário sobre ele (sem tradução, em nove partes), clique abaixo:

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