E foi com isso em mente que vi ontem "Meia-Noite em Paris", último filme de Woody Allen. A esta altura, todos já sabem do enredo: roteirista norte-americano vai a Paris com a família da noiva, fica entediado, começa a caminhar à noite e é magicamente transportado para os anos 20, a época que ficou imortalizada no livro "Paris é uma Festa", de Ernest Hemingway, e vem causando comichões em artistas e aspirantes a artistas desde então. No livro, Hemingway fala de sua convivência com os escritores F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Ezra Pound e Gertrude Stein, cuja "Autobiografia de Alice B. Toklas" também nos dá um inspirado panorama daquela geração que havia acabado de sobreviver à Primeira Guerra. Todo mundo estava em Paris, era lá que as coisas aconteciam. Os espanhóis Pablo Picasso e Salvador Dalí flanavam por suas ruas, ao lado dos mestres franceses que criavam movimentos como quem troca de roupa. O modernismo ganhava força, as vanguardas assombravam a todos. O mundo parecia um grande gabinete de curiosidades. Vendo em restrospecto, sentimos até uma certa pena desse entusiasmo - em 1939 o mundo escureceria de vez, e Paris seria invadida pelos alemães e humilhada até 1944. Artistas se suicidariam, seriam mortos ou fugiriam como ratos na calada da noite. Quem tem nostalgia dessa época certamente preferiria pular essa parte.
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Ernest Hemingway |
E então começa o maior problema do filme: o desfile de mitos que frequentavam os cafés e as festas da Cidade das Luzes. Se conseguir um ator para protagonizar um único personagem nessas cinebiografias já é difícil, o que dirá de vários deles. Corey Stoll tenta dar masculinidade ao seu Hemingway, mas não convence nem a própria mãe. Alison Pill nos faz acreditar que, se encontrássemos Zelda Fitzgerald tentando se suicidar, certamente daríamos um empurrãozinho. E os atores desconhecidos prestam um verdadeiro desserviço a grandes artistas: Buñuel é apenas um bobalhão, além de pouco inteligente; Toulouse-Lautrec é só um anão inexpressivo; Pablo Picasso tem o charme de uma maçaneta e Gertrude Stein é uma matrona ansiosa e tagarela (talvez fosse mesmo). A única exceção é o formidável Adrien Brody, que em cinco minutos salva o filme com sua interpretação do amalucado Salvador Dalí. Aliás, o encontro com os surrealistas, apesar do Buñuel narcoléptico, é a melhor piada do filme. E Brody lembra de algo que a maioria dos atores norte-americanos parece esquecer: que existe uma coisa chamada pronúncia, e outra chamada sotaque, e que essas coisas deveriam fazer parte da construção do personagem - a época dos soldados romanos falando inglês britânico já passou. E o desfile de celebridades dos anos 20 continua, e ficamos nos perguntando por que mesmo essas pessoas tão superficiais e pretensiosas fazem parte do nosso imaginário. A resposta é óbvia - porque foram artistas brilhantes - mas o filme sequer nos deixa entrever isso. E, no final, Allen chega à mesma conclusão que a do início do meu texto: nós sempre estamos idealizando gerações passadas e desdenhando a nossa própria. E romantizamos vidas que foram verdadeiramente dolorosas e trágicas. Hemingway se matou com uma tiro de espingarda em 1961. Sentir nostalgia já é uma bobagem. Sentir nostalgia de uma época que não vivemos é risível.
Concordo com quase tudo no texto, Ma, apesar de ter assistido quase todos os filmes de Woody Allen, acho apenas alguns deles brilhantes e os outros enfadonhos. Concordo com o que vc disse em relação à interpretação dos atores dos personagens dos anos 20 e ao saudosismo e nostalgia. Mas gostei da interpretação de Owen Wilson, ele está bobo pq acredito que era essa a finalidade, criar um personagem bobo. Ele está muito parecido com os personagens que WA interpretava nos filmes dele antigamente, como "Everybody says I love you", etc. Eu nunca estive em Paris, por isso não posso afirmar se a cidade é vista de uma maneira romantizada, mas de qq forma, a grama do vizinho sempre é mais verde, ninguém nunca está satisfeito com a época, o país, a cidade em que vive.
ResponderExcluirMarna, eu não desgosto do Owen Wilson, só o acho bobo, com cara de bobo, sempre fazendo papel de bobo. Isso cai como uma luva em certas comédias, onde ele se sai muito bem. Sem dúvida, neste filme ele imita Woody Allen à perfeição, mas um ator um pouco melhor teria dado mais substância a um personagem tão raso - Adrien Brody talvez, mas aí não teríamos o seu impagável Dalí. Ah, eu adoro "Everybody says I love you" (eu o traduzi na época, pra VHS!)
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